“Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos
coração sábio”. Sl 90.12

Depois de algumas considerações
desconcertantes sobre o ser de Deus e sobre a nossa natureza, a oração acima é
a primeira de uma série de oito petições que Moisés faz neste salmo, sendo que
a última se repete (v. 17b). Provavelmente ele estava no fim da vida quando
compôs este salmo. É quando se está no fim da vida que mais se pensa no que se
fez durante os anos que se passaram. Os anos da juventude, quando a força e a beleza
estão em sua maior pujança, são tempos em que a gente se imagina onipotente e
eterno, alimentando subconscientemente a ilusão de que vai viver e conservar
para sempre o mesmo vigor e o mesmo viço. Por esta razão, quando jovens somos
mais impetuosos e inconsequentes. Mas não precisa ser assim. E para que assim
não seja somos ensinados neste salmo que contar os dias é uma das coisas que
mais necessitamos aprender e, por isso, uma das coisas que mais precisamos
pedir a Deus. Contar os dias nos faz alcançar um coração sábio. E isto não
precisa ser no fim da vida, mas pode ser aprendido “antes que venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não
tenho neles prazer”(Ec 12.1). Mas contar os dias não é simplesmente nos
preocupar com o avanço da idade, nem com as datas especiais do calendário. Que
significa, então? E como seremos motivados a fazê-lo? Observando o contexto do
salmo, podemos tirar algumas conclusões:
Primeiro, “contar os dias” envolve uma
visão correta de Deus e de nós mesmos.
Saber quem Deus é – sua natureza e seus atributos – e quem nós somos.
Esta primeira concepção tem alguns desdobramentos. É necessário admitirmos
acerca de Deus, que ele é a nossa única morada nesta jornada tão transitória
chamada de vida. Geração vai e geração vem e apenas ele permanece. Por isso, só
ele pode ser o nosso refúgio. Não poderemos oferecer abrigo aos nossos filhos
depois de nossa morte. Mesmo que deixemos alguma herança que julgamos servir-lhes
de amparo, quem pode garantir que eles a desfrutarão? Pois, como disse o
Pregador, “se tais riquezas se perdem por
qualquer má aventura, ao filho que gerou nada lhe fica na mão”(Ec
5.14). Mas o Senhor é eterno. Antes que
a terra e o mundo entrassem em trabalho de parto Ele é Deus! Mil anos para ele são com ontem, tempo que já passou,
pois ele não é como nós, limitado pelo tempo. Por isso, só ele pode dar
estabilidade à nossa vida instável.
Contar os dias, no entanto, também
envolve saber que esse mesmo Deus eterno foi quem impôs aos homens, por causa
do pecado, uma sentença de morte. É ele quem nos reduz ao pó (v.3). Isto nos
leva a refletir sobre quem nós somos: seres transitórios vivendo sob a sentença
de morte de um Deus eterno. Nossa vida é tão passageira que três figuras são
usadas pelo homem de Deus para descrevê-la num só fôlego: a torrente, o sono, a
erva do campo. Como a vida passa depressa! Mas, como se tudo isto não bastasse,
somos também pecadores vivendo perante um Deus que é santo e que conhece até
aquilo que não revelamos ao amigo mais íntimo. Os poucos anos que temos são
passados, assim, debaixo da ira desse Deus santo, inclusive sofrendo seus
juízos temporais, prenúncio do Juízo Final.
Todavia, a maioria de nós nem percebe o
“poder da sua ira, e a sua cólera, segundo o temor que lhe é devido”! (v.11).
“Contar os dias”, portanto, envolve refletir sobre a santidade de Deus e sobre
a nossa pecaminosidade latente. Significa reconhecer a brevidade da vida diante
de um Deus eterno e o demérito de nossos pensamentos, palavras e ações perante
um Deus que é santo e onisciente. Quanto mais cedo aprendermos estas verdades e
quanto mais frequentemente as trouxermos à mente, mais sábios nos tornaremos.
Pois o reconhecimento de quem Deus é e de quem nós somos nos levará a clamar humildemente,
sabendo que esse Deus que nos pode destruir por causa santidade, é o mesmo que
pode nos salvar por sua misericórdia. Contar os dias nos levará a dobrar os
joelhos diante dele suplicando: “Volta-te, Senhor”; “tem compaixão dos teus
servos”; “sacia-nos de manhã com tua benignidade”; “alegra-nos”; “manifesta-nos
as tuas obras e, nelas, a tua glória”; “confirma a obra de nossas mãos”. Isto tudo
se resume em duas palavras: rendição
e à dependência. Neste início de ano,
quando ficamos mais apercebidos da brevidade da vida, quero encorajá-lo a fazer
dessa sua oração mais fervorosa: “ensina-nos a contar os nossos dias, para que
alcancemos coração sábio”.