sábado, 6 de setembro de 2014

A César o que é de César e a Deus o que é de Deus: A igreja evangélica e a política partidária

 “Responderam: De César. Então, lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.    Mt 22.21


Quão atual e oportuna é esta verdade nestes dias em que as eleições se aproximam e a igreja evangélica em geral flerta com o poder temporal e se prostitui em alianças político-partidárias excusas. Torna-se ainda mais atual quando se conhece o contexto sócio-político e cultural. Para os judeus em geral, a odiada captação de impostos simbolizava submissão ao governo explorador de Roma. Aproveitando-se desse fato para surpreender Jesus em alguma palavra, os fariseus lhe perguntam se era lícito submeter-se aos impostos. A pergunta tem um flagrante viés político-partidário. Um “sim” representaria conformação ao domínio opressor de Roma (herodianos contra povo e fariseus); um “não” seria tomado como ato de sedição e revolta contra o Império (fariseus contra Herodes e império). Jesus responde de modo a colocar a questão em seu verdadeiro foco: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.  Nosso Senhor está dizendo que há duas esferas: temporal e eterna. Não se trata de dividir a vida em compartimentos, como se os deveres de qualquer destas cidadanias pudessem ser cumpridos sem referência aos da outra. Significa que o homem tem mais do que uma lealdade, e que não pode negligenciar nenhuma das duas, exceto quando ambas estão em conflito. O Estado deve ser respeitado e suas diretrizes obedecidas dentro da sua própria esfera. Ele atua para o benefício do povo. Porém, “César não tem direitos nos domínios de Deus”. Ela tem muitas implicações referentes à participação da igreja no pleito eleitoral. Não se pode usar a religião como instrumento de cooptação dos fiéis para fins eleitoreiros. O fato de um candidato ser crente, por exemplo, não significa que ele é o melhor (ou o pior). E o fato de um candidato dizer que vai ajudar a igreja quando for eleito não o torna o melhor candidato (mas é bem provável que seja o pior). Não se deve usar o nome de Deus para ganhar votos e o púlpito da igreja não pode ser usado como palanque eleitoral. “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. A igreja não deve “flertar” com o Estado, muito menos com partidos políticos (o que é diferente de relacionar-se com o Estado). Como disse o Pr. Isaltino Gomes, “a igreja não é de direita, de esquerda ou de centro. A igreja é do alto”. (Fp 1.27; 3.20). Isto não significa que a igreja deve se alienar politicamente (como fizeram os essênios). Significa, antes, que ela deve atuar nas duas esferas mantendo sua primeira lealdade ao reino de Deus e deve caminhar com o Estado procurando influenciar para que este absorva os valores de Deus quanto à justiça e o bem comum. A igreja tem de exercer um triplo papel: interceder pelos que estão no poder (1 Tm 2.1-2); profetizar, denunciando a opressão e a corrupção (Is 1.17); e praticar boas obras, manifestando, assim, a luz da glória de Deus (Mt 5.14-16). Para exercer seu papel com eficácia a igreja precisa ter isenção. Por isso, enquanto instituição, não deve se envolver com política partidária. Igualmente, a igreja não deve ser patrocinada pelo Estado, a não ser em obras sociais como sua parceira, como previsto na Constituição. Mas isto não inclui construção de templos ou empregos “fantasmas”, ou para usar um termo mais sutil, “ficar à disposição” do deputado ou do senador “fulano de tal”.  Se tiver isenção, a igreja vai ter liberdade para ser parceira do Estado quando este está realizando políticas visando ao bem comum, bem como para ser crítica do Estado quando ele estiver negligenciando estas coisas e trabalhando em função de um projeto de poder. Fazer isto é dar a César aquilo que só pertence a Deus.



domingo, 20 de abril de 2014

A CELEBRAÇÃO BÍBLICA DA PÁSCOA


“E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim.  Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós”. (Lc 22:15, 19-20).

Entre o povo de Israel, a páscoa tem sido celebrada para relembrar a saída de Israel do Egito, ocasião em que a festa foi instituída (Êx 12). No meio cristão, a páscoa é a celebração da morte de Cristo, que trouxe libertação dos pecados a todos os que crêem na palavra da cruz. A libertação de Israel do Egito é um tipo, uma prefiguração da libertação que Cristo veio trazer por sua morte. De lá ( do Egito e do Calvário) para cá, em todas as nações cristãs e entre os judeus, cada um a seu modo, a páscoa é celebrada nestes dias. Ao redor do mundo, programações, atividades e rituais diversos são realizados com este objetivo. De lá para cá muita coisa se desvirtuou e o sentido da páscoa tem sido diluído, até mesmo no meio evangélico. A páscoa que o mundo comemora é a páscoa do coelhinho e dos ovos de chocolate; é a páscoa do Cristo moribundo, que morre toda sexta-feira da paixão e ressuscita todo domingo de Páscoa; é a páscoa dos auto-flagelamentos e do auto-sacrifício, com o objetivo de “identificar-se” com os sofrimentos de Cristo (Filipinas); a páscoa que o mundo celebra é a páscoa da abstenção de carne, também como um ato de “respeito” para com a morte de Cristo, ao contrário do contexto original, no qual os judeus celebravam comendo um carneiro assado; é a páscoa do “sábado de aleluia”, quando as pessoas se põem a beber e a farrear sem pensar no verdadeiro sentido da páscoa. E no meio evangélico – mas não apenas entre nós – é a páscoa das encenações das atividades evangelísticas e das cantatas que relembram os passos de Jesus através da crucificação até a ressurreição. No entanto, precisamos resgatar a perspectiva bíblica da celebração da páscoa. Os cristãos estão certos quando a ligam à morte redentora de Cristo e à libertação que ela traz aos que crêem, libertação prefigurada na Velha Aliança. Mas o que quero questionar aqui é a celebração da páscoa limitada a alguns dias no ano. Esta não é a genuína celebração da páscoa. Na Nova Aliança só nos são apresentadas duas maneiras de celebrar a páscoa:
O texto acima em destaque mostra que, durante a páscoa dos judeus, Jesus instituiu uma Nova Aliança. Ele partiu o pão e deu o cálice aos discípulos como memorial de sua morte, estabelecendo um novo rito pascoal, que lembraria sua morte (Lc 22.15-20). Dessa forma, Jesus se apresenta como o cumprimento da Páscoa. Assim, a Eucaristia ou Ceia do Senhor é um novo memorial para uma Nova Aliança (ver Mt 26.26-29). Consequentemente, a celebração bíblica da Páscoa ocorre todas as vezes em que partimos o pão e bebemos do cálice, “anunciando a morte do Senhor até que ele venha” (1Co 11.27).
          Além disso, o Novo Testamento nos mostra em outra passagem que a celebração bíblica da Páscoa se realiza através de uma vida santa. Repreendendo aos coríntios por permitirem a imoralidade no seio da igreja, o apóstolo Paulo usa a figura da páscoa para exortá-los a tratar do pecado, até mesmo excluindo o pecador impenitente. Ele diz: Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade”. O que ele quer dizer é que a morte de Cristo, nossa páscoa (tradução literal), faz de nós, seu povo, nova massa, sem o fermento do pecado. Esta é uma alusão aos pães asmos usados na celebração pascal da Velha Aliança. A igreja é o povo santo de Deus e deve celebrar uma vida santa porque Cristo já morreu pelos nossos pecados. Deve evitar que o velho fermento do pecado volte a perturbar. Desse modo a celebração cristã da páscoa se dá através de uma vida santa e pura. A celebração da morte de Cristo na Ceia do Senhor e a vivência de uma vida pura e santa, que é fruto da morte redentora de Cristo, são a verdadeira expressão da Páscoa.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

CORRENDO COM PERSEVERANÇA

“Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus...” Hb 12:1-2a

Todos os anos, centenas de pessoas de diversas regiões do Brasil e do mundo se aglomeram para terminar seu ano realizando uma corrida de 15 km, a nossa conhecida “São Silvestre”. Alguns correm só por diversão, outros para superar os próprios limites, ainda que isto signifique ir mais longe do que nas edições anteriores, posto que não chegam ao fim da corrida. Outros, ainda, vivem para este tipo de competição e correm para vencer. Para isto, inspiram-se nos grandes campeões da corrida, passam o ano treinando para eliminar todo peso desnecessário do corpo e, o que quer que aconteça, não tiram os olhos do alvo à sua frente, ainda que só o enxerguem na reta final.
Creio que tais corredores – os do tipo “não tô nem aí” e os “isto-é-tudo-o-que-importa-na-vida – são uma poderosa mensagem para todos nós que recebemos a graça imerecida de iniciar uma nova etapa, um novo ano em nossa vida. Eles nos lembram uma carreira por um prêmio muito superior. A carreira cristã. Aqueles a quem um dia pela graça irresistível Cristo atraiu a si mesmo são assegurados de que lhes aguarda um prêmio, uma coroa incorruptível (1 Co 9.25), o “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.14b).
A vida cristã não é um passeio por uma estrada pavimentada ou por uma veredas de flores. A Bíblia a descreve como uma corrida com obstáculos e envolvendo lutas e riscos. Nesta corrida, o objetivo não é necessariamente chegar primeiro. Ganha todo aquele que consegue chegar. O alvo é não desistir. Daí a exortação: “corramos com perseverança...” (v.1). Precisamos correr para o “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo” (Fp 3.14b) de tal maneira que o alcancemos (1 Co 9.24). Correr com perseverança requer pelo menos três atitudes:
Primeiro, precisamos nos inspirar nos exemplos de fé do passado. Esta é a “grande nuvem de testemunhas”, o número total daqueles que viveram antes de nós e “pela fé e pela paciência herdaram as promessas” (Hb 6.12). Sua história está registrada nas Escrituras. Como uma torcida que se ergue em torno dos competidores, essa multidão de testemunhas que um dia estiveram na arena incentivam, pelo seu exemplo de fé, os competidores atuais (ver cap. 11). Lendo as Escrituras e meditando nesses exemplos, teremos inspiração para correr a mesma carreira.
Em segundo lugar, precisamos lançar fora todo empecilho à corrida. Os atletas fazem isto removendo de seu corpo o excesso de peso através de um rigoroso treinamento e usando roupas leves que facilitem os movimentos (os da antiguidade corriam nus). Não há nada que emperre mais nossa carreira cristã do que o pecado que nos rodeia. É preciso mortificar a velha natureza e nos abster das “paixões carnais que fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2.11). O pecado suga nossas forças e seca nosso ânimo de prosseguir para o alvo.
Finalmente, precisamos olhar acima de tudo para Jesus Cristo, o “Autor e Consumador da fé”. Como Autor da fé, Jesus é tanto o originador, como o campeão da fé, cujo exemplo ultrapassa os outros alistados no capítulo 11. Como Consumador, ele é o aperfeiçoador, aquele que leva a fé à sua plenitude, perfeição ou maturidade (v.2).  Sendo Deus e “em troca da alegria que lhe estava proposta, ele suportou a cruz, desprezando a vergonha”, isto é, a vergonha a que foi exposto na cruz. Sendo o Santo, ele suportou com paciência (perseverança) grande oposição dos pecadores contra si mesmo. Mesmo tendo poder para fazê-lo, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente, carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados”. (1 Pe 2:23-24). Depois de passar por tudo isso, ele ressuscitou, subiu ao céu e está para sempre assentado à direita do trono de Deus. Devemos olhar para esse Perfeito Salvador com adoração e assombro, considerando atentamente na sua obra redentora. Manter os olhos da fé fixos em Cristo certamente nos dará força para concluir a corrida, evitando que “nos fatiguemos, desmaiando em nossa alma”. Portanto, neste novo ano que se inicia, quero encorajar todos os meus irmãos em Cristo a correrem com perseverança a carreira da fé que nos está proposta nas Escrituras, mirando-se nos exemplos de fé do passado, livrando-se do peso e do pecado que nos rodeia e contemplando em adoração a Jesus, nosso Campeão.