quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

AMANHECEU

“O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz”. (Mt 4.16; Is 9.2)

A Galiléia, lugar onde Jesus iniciou seu ministério, era um lugar desprezado. Algumas centenas de anos atrás, quando a Assíria invadiu o Reino do Norte, onde ficava esta região, Tiglate-Pileser, o rei invasor, além de oprimir duramente e pilhar os israelitas, deportou os habitantes da terra para outras regiões da Assíria e colocou, em seu lugar, povos pagãos (2 Re 15.29; 17.24-28). Esses povos se misturaram com o restante do povo da terra que não fora para o cativeiro, produzindo não somente um povo mestiço, mas também o sincretismo religioso, isto é, a mistura da fé monoteísta em Javé, Deus do pacto, com um paganismo idólatra. Desde então, mesmo depois dos cativeiros assírio e babilônico, a Galiléia era uma região proscrita, desprezada pelos judeus “puros”, seguidores mais rígidos do judaísmo. Por isso, quando informado por Filipe de que Jesus era de Nazaré, cidade galiléia, Natanael exclamou com desprezo: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1.46). Mais tarde, os principais sacerdotes, interpelando Nicodemos, afirmaram: “Examina e verás que da Galiléia não se levanta profeta” (Jo 7.52b). Foi exatamente na Galiléia, o círculo dos proscritos, o reduto dos desprezados, o lugar das mais densas trevas espirituais, o santuário de um judaísmo impuro, que Jesus resolveu iniciar o seu ministério. Isto aconteceu por duas razões: Primeiro, para se cumprir a profecia de Isaías : “Mas para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios. O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhe a luz”. (Is 9.1-2). Trata-se de uma profecia messiânica. Mas, além disso, acredito também que, ao começar o anúncio do Reino por essa região tão desprezível, Jesus estava ressaltando o amor incondicional de Deus que enviou seu Filho para buscar os perdidos, os proscritos os pecadores, e não para aqueles que confiam em sua própria religiosidade e em seus méritos. Jesus apareceu no lugar mais escuro da Palestina para revelar-se como o amanhecer de Deus nas trevas da história humana. Ele é o Salvador dos pecadores, daqueles que reconhecem-se nas trevas e necessitados de salvação. Por isso, a primeira condição para desfrutar dessa luz infinita, dessa salvação eterna está nas primeiras palavras de Jesus ao povo: “Arrependei-vos, porque está próximo (“chegou e está presente”) o reino dos céus”. (Mt 4.17b)                                                            

Pr. Marcos Freitas

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

DE GRÃO EM GRÃO

“Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta.  Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz.  Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1:13-15).

O texto de Provérbios Pv 7.21-23 nos traz uma descrição precisa do modo como a mulher adúltera seduz o jovem insensato: “Seduziu-o com as suas muitas palavras, com as lisonjas dos seus lábios o arrastou. E ele num instante a segue, como o boi que vai ao matadouro; como o cervo que corre para a rede, até que a flecha lhe atravesse o coração; como a ave que se apressa para o laço, sem saber que isto lhe custará a vida”. Este é comparado aos animais que caminham para a morte sem o saber, atraídos por um bocado de alimento. A ave, por exemplo, “apressa-se para o laço, sem saber que isto lhe custará a vida, porque só vê o alpiste que está imediatamente à sua frente. De grão e grão ela se aproxima cegamente do laço e só percebe que está presa quando já se fechou a porta da arapuca. Esta é igualmente uma descrição da sedução que vem da nossa própria cobiça, feita por Tiago no texto da nossa meditação. Ele diz que, como a prostituta sedutora, nossa cobiça nos atrai e seduz até o pecado: “...cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz”. E isto acontece pouco a pouco.
Nós comumente nos enganamos alimentando a carne aos pouquinhos. Como o glutão inveterado “assalta” a geladeira no meio da noite, beliscando doces e quitutes, pedacinho por pedacinho, até só restarem farelos onde antes era um belo bolo de chocolate, vamos cedendo ao nosso coração pecaminoso, fazendo mimos a nossos apetites carnais. Essa aquiescência sutil é a mais letal arma do pecado contra nós, pois não exige muito, apenas “um pouquinho” de alívio para a carne crucificada, o qual culmina no abrir da jaula, libertando essa fera adormecida à nossa porta (Gn 4.7). Se não pararmos agora, seremos presos e devorados.
Neste processo, procuramos neutralizar a consciência com diminutivos: “Eu só dei uma olhadinha!”; “foi uma mentirinha que eu ‘tive’ que contar”; “fiz, mas foi só uma vezinha”. Deixamos negligentemente de perceber a insuperável influência das coisas pequenas nas grandes reviravoltas da nossa vida. Não é verdade que o que engorda é “beliscar” guloseimas entre as refeições? Quem não sabe que o que derruba o alcoólatra é o primeiro gole?
Da mesma sorte, o pecado engana e destrói pouco a pouco. Sempre no diminutivo, para não percebermos sua malignidade. Nada menos do que a vigilância incansável e o combate sem tréguas, no poder do Espírito poderá nos manter de pé. Por isso a advertência:

Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado”. Hb 3.12-13

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A CASA DE DEUS E O COVIL DE SALTEADORES

“...Entrando ele no templo, passou a expulsar os que ali vendiam e compravam; derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas...também os ensinava e dizia: Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, a tendes transformado em covil de salteadores.”            Mc 11:15-17

         É muito triste quando uma casa transforma-se num covil. A casa abriga uma família; o covil abriga animais ou bandidos. A casa é lugar de comunhão, de dividir o que é seu com o irmão; o covil é lugar de exploração, de dividir o que foi extorquido do outro. Quando a casa de Deus, que foi estabelecida para ser uma «casa de oração para todas as nações», transforma-se num covil de salteadores, então, é uma completa desgraça. A casa de Deus se transforma em covil de salteadores quando a boa vontade descamba para a sórdida ganância (1 Pe 5.2); quando a piedade passa a ser vista como fonte de lucro (1Tm 5.5); quando se deixa de suplicar «venha o teu reino» e passa-se a determinar: «eu quero a minha bênção». Sempre que se toma posse daquilo que pertence a Deus, usando-o egoística e ambiciosamente; sempre que se personalizam ministérios com o fim de buscar a glória dos homens, está-se caminhando para uma religião mercenária. Deus chamou o templo de «minha casa». No entanto, nos tempos de Jesus, os que estavam lá usavam todo o sistema de culto para lucrar, e não para adorar ao Senhor da casa e servir aos conservos.
        Quando a casa de Deus é transformada em covil de salteadores, a pureza de motivos dá lugar à astúcia; a transparência dá lugar às «coisas que, por vergonhosas, se ocultam»; e a sã doutrina é substituída pela palavra adulterada e por um evangelho diluído (2 Co 4.2).
        Quando a casa de Deus é transformada num covil de salteadores, a oração deixa de ser o ato de «achegar-se confiadamente ao trono da graça» (Hb 4.16) para ser uma barganha com Deus num balcão de negócios, onde a prosperidade material e as bênçãos temporais tornam-se mais importantes do que as coisas lá do alto (Cl 3.1-4).

        Quão terrível é quando a casa de Deus deixa de ter esse papel missionário, de ser «casa de oração para todas as nações», e passa a ser usada para explorar a boa fé da gente ingênua e crédula. Era o que acontecia durante o ministério terreno de Jesus, e que suscitou sua ardente indignação. Não é o que tem acontecido hoje no meio evangélico? Não tem o evangelho sido usado como fonte de lucro e de enriquecimento ilícito às custas da exploração da boa fé? Não tem a palavra de Deus sido adulterada em tantos círculos para adequar-se ao «gosto do consumidor»? Não têm as pessoas sido induzidas a buscar mais «tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam»(Mt 6.19-20)? Quão grande não será a indignação de Cristo hoje diante dos lobos e salteadores que tosquiam seu rebanho! E quão grande não será o seu juízo sobre eles! Pois, já no primeiro século o Espírito Santo advertia: «Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas, e, por causa deles, será infamado o caminho da verdade; também, movidos por
avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme». (2 Pe 2:1-3)

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

CONTANDO OS DIAS


“Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”. Sl 90.12

Depois de algumas considerações desconcertantes sobre o ser de Deus e sobre a nossa natureza, a oração acima é a primeira de uma série de oito petições que Moisés faz neste salmo, sendo que a última se repete (v. 17b). Provavelmente ele estava no fim da vida quando compôs este salmo. É quando se está no fim da vida que mais se pensa no que se fez durante os anos que se passaram. Os anos da juventude, quando a força e a beleza estão em sua maior pujança, são tempos em que a gente se imagina onipotente e eterno, alimentando subconscientemente a ilusão de que vai viver e conservar para sempre o mesmo vigor e o mesmo viço. Por esta razão, quando jovens somos mais impetuosos e inconsequentes. Mas não precisa ser assim. E para que assim não seja somos ensinados neste salmo que contar os dias é uma das coisas que mais necessitamos aprender e, por isso, uma das coisas que mais precisamos pedir a Deus. Contar os dias nos faz alcançar um coração sábio. E isto não precisa ser no fim da vida, mas pode ser aprendido “antes que venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer”(Ec 12.1). Mas contar os dias não é simplesmente nos preocupar com o avanço da idade, nem com as datas especiais do calendário. Que significa, então? E como seremos motivados a fazê-lo? Observando o contexto do salmo, podemos tirar algumas conclusões:

Primeiro, “contar os dias” envolve uma visão correta de Deus e de nós mesmos.  Saber quem Deus é – sua natureza e seus atributos – e quem nós somos. Esta primeira concepção tem alguns desdobramentos. É necessário admitirmos acerca de Deus, que ele é a nossa única morada nesta jornada tão transitória chamada de vida. Geração vai e geração vem e apenas ele permanece. Por isso, só ele pode ser o nosso refúgio. Não poderemos oferecer abrigo aos nossos filhos depois de nossa morte. Mesmo que deixemos alguma herança que julgamos servir-lhes de amparo, quem pode garantir que eles a desfrutarão? Pois, como disse o Pregador, “se tais riquezas se perdem por qualquer má aventura, ao filho que gerou nada lhe fica na mão”(Ec 5.14).  Mas o Senhor é eterno. Antes que a terra e o mundo entrassem em trabalho de parto Ele é Deus! Mil anos para ele são com ontem, tempo que já passou, pois ele não é como nós, limitado pelo tempo. Por isso, só ele pode dar estabilidade à nossa vida instável.

Contar os dias, no entanto, também envolve saber que esse mesmo Deus eterno foi quem impôs aos homens, por causa do pecado, uma sentença de morte. É ele quem nos reduz ao pó (v.3). Isto nos leva a refletir sobre quem nós somos: seres transitórios vivendo sob a sentença de morte de um Deus eterno. Nossa vida é tão passageira que três figuras são usadas pelo homem de Deus para descrevê-la num só fôlego: a torrente, o sono, a erva do campo. Como a vida passa depressa! Mas, como se tudo isto não bastasse, somos também pecadores vivendo perante um Deus que é santo e que conhece até aquilo que não revelamos ao amigo mais íntimo. Os poucos anos que temos são passados, assim, debaixo da ira desse Deus santo, inclusive sofrendo seus juízos temporais, prenúncio do Juízo Final.

Todavia, a maioria de nós nem percebe o “poder da sua ira, e a sua cólera, segundo o temor que lhe é devido”! (v.11). “Contar os dias”, portanto, envolve refletir sobre a santidade de Deus e sobre a nossa pecaminosidade latente. Significa reconhecer a brevidade da vida diante de um Deus eterno e o demérito de nossos pensamentos, palavras e ações perante um Deus que é santo e onisciente. Quanto mais cedo aprendermos estas verdades e quanto mais frequentemente as trouxermos à mente, mais sábios nos tornaremos. Pois o reconhecimento de quem Deus é e de quem nós somos nos levará a clamar humildemente, sabendo que esse Deus que nos pode destruir por causa santidade, é o mesmo que pode nos salvar por sua misericórdia. Contar os dias nos levará a dobrar os joelhos diante dele suplicando: “Volta-te, Senhor”; “tem compaixão dos teus servos”; “sacia-nos de manhã com tua benignidade”; “alegra-nos”; “manifesta-nos as tuas obras e, nelas, a tua glória”; “confirma a obra de nossas mãos”. Isto tudo se resume em duas palavras: rendição e à dependência. Neste início de ano, quando ficamos mais apercebidos da brevidade da vida, quero encorajá-lo a fazer dessa sua oração mais fervorosa: “ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”.