quarta-feira, 18 de maio de 2011

Os "Superapóstolos" - Ontem e Hoje

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Como disse o outro pregador – o inspirado – “nada há novo debaixo do sol” (Ec 1.9b). Embora em seu contexto original a frase expresse a mesmice da vida neste mundo e a frustração que ele nos traz em si mesmo devido à queda, ela me faz lembrar também que, como tudo o mais neste mundo, velhas heresias e antigos hereges renascem de tempos em tempos. Analisando a 2ª Epístola de Paulo aos Coríntios, verifico que a descrição que ele faz dos “superapóstolos” de sua época encaixa-se como uma luva em muitos líderes de hoje. Observemos o conteúdo da carta:
Contexto: A epístola é, em grande parte, uma defesa do apostolado de Paulo perante alguns obreiros que, tendo chegado a Corinto, atacaram o ensino e o caráter do apóstolo, levando a igreja a renegar o seu fundador. Eles questionavam a legitimidade do ministério apostólico de Paulo. Encontraram campo fértil numa igreja ressentida com a reprimenda do seu pai espiritual e com alguns desencontros que ele procura explicar (2.13-24).  O ataque a Paulo se deu em duas etapas: (1) Nos caps. 1-7, há uma oposição individual alimentada e fortalecida por uma onda de crítica sutilmente levantada pelos líderes recém-chegados; (2) nos caps. 10-13, a oposição é aberta, obrigando o apóstolo a uma postura mais enérgica. Algumas de suas acusações eram de que Paulo era: (1) audacioso por meio de suas cartas, mas inócuo e desprezível quando presente (10.1, 9-10); (2) desprovido de sinais de autoridade espiritual e atitudes enganosas (10.2); (3) sem eloquência e entusiasmo em sua pregação (11.5-6); e (4) possivelmente sem amor pelos coríntios, uma vez que não aceitara deles ajuda financeira, ao mesmo tempo em que, segundo eles estaria usando mensageiros para extrair sutilmente maior quantia de dinheiro, pela manobra de ofertas especiais (11.7-11; 12.14-18). Em sua defesa, Paulo compara seu ministério com o de seus detratores, estabelecendo alguns contrastes entre ele e esses “obreiros fraudulentos”. Com base nesta comparação, analisemos o que Paulo fala sobre seus opositores e vejamos se o “rosto na foto” não é do superapóstolo do século 21 “entalhado e esculpido”:

1)      Os “superapóstolos” pregam a si mesmos e não a Jesus Cristo. Por isso, contrastando-os consigo e com os verdadeiros apóstolos, Paulo ressalta: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus” (4.5). Os superapóstolos, ao contrário, sempre se ostentam a si próprios. Eles “se gloriam na aparência e não no coração” (5.12). Para dar crédito à sua mensagem, os obreiros fraudulentos enfrentados por Paulo apresentavam-se como “homens divinos”, dotados de poder sobrenatural. O evangelho que pregavam era o da autopromoção. Nos caps. 10-13, na defesa de Paulo encontramos subentendidas as ênfases, dadas pelos falsos apóstolos, na eloquência (11.6); na exibição de autoridade (11.20); em visões e revelações (12.1); e na execução de sinais “apostólicos” (12.12-13). Portanto, podemos dizer que os falsos apóstolos enfrentados por Paulo apelavam para manifestações extraordinárias do Espírito (12.1) e para milagres, manifestações atraentes ao mundo pagão de língua grega. Eles exibiam orgulhosamente supostas experiências sobrenaturais. A soberba deles obrigou Paulo a declarar: Porque suponho em nada ter sido inferior a esses tais apóstolos (11.5); Tenho-me tornado insensato; a isto me constrangestes. Eu devia ter sido louvado por vós; porquanto em nada fui inferior a esses tais apóstolos, ainda que nada sou” (12.11). A expressão em destaque, “tais apóstolos”, traduz um termo grego que expressa excepcionalidade, significando algo como “superapóstolos”. Assim a traduzem a NVI, nos dois versículos, e a BLH, no último – daí, o título deste artigo. Portanto, os oponentes de Paulo consideravam-se e apresentavam-se como superapóstolos, figuras religiosas excepcionais, capazes de explosões carismáticas e miraculosas. Sua personalidade extraordinária era a real garantia da mensagem pregada. Pense comigo: não é esta uma figura atual? Não continuam os superapóstolos entre nós, pregando-se a si mesmos e erguendo ministérios personalistas para se autopromover, exibindo alegadas manifestações miraculosas, enquanto afirmam soberbamente que “é só aqui que isto acontece” e que “a mão de Deus está aqui”, num verdadeiro “show da fé”? Não prometem eles que, sob sua ordem, ou ao toque de objetos por eles ungidos, “o mal vai embora”?

2)      O rosto piedoso dos “superapóstolos” esconde um coração fraudulento. Depois de chamar ironicamente seus opositores de “superapóstolos”, Paulo denuncia seu verdadeiro caráter: na verdade, não passam de pseudoapóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo”. Sim, os “superapóstolos” têm linguagem e personalidade atraentes. Como diz Paulo em outro lugar, acerca do mundo sem Deus, “com a língua, urdem engano” (Rm 3.13). Mas eles têm apenas a aparência de apóstolo. “transformar”, em 11.13-15, tem o sentido de uma mudança externa. Tal aparência de piedade não passa de uma máscara para esconder as coisas vergonhosas que praticam (4.2). Desse modo, os superapóstolos – ontem e hoje – “se gloriam na aparência e não no coração” (5.12). Não se engane, hoje eles ainda têm cara de ovelha, mas continuam lobos roubadores; ainda andam travestidos de apóstolos, mas continuam obreiros fraudulentos. Eles jejuam e oram, fazem penitência, sobem ao monte, mergulham no rio, benzem objetos, tudo para parecer piedosos.  Em nossos dias, os “superapóstolos” também manifestam uma piedade farisaica. É contra eles que o Senhor Jesus fala na Escritura: “Ai de vós... hipócritas, porque devorais as casas das viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso, sofrereis juízo muito mais severo! (Mt 23.14)

3)      A dissimulação dos “superapóstolos” conquista até crentes verdadeiros. Possivelmente, os falsos apóstolos combatidos por Paulo chegaram em Corinto de posse de cartas de recomendação, credenciais conseguidas em outras igrejas. Ao que parece, eles criticavam Paulo por não possuir tais cartas (3.1). Tratava-se de um movimento estruturado e organizado de “missionários” cristãos, atuando no campo missionário paulino, sendo que as cartas de recomendação atestavam que eles tinham certa aprovação de crentes fiéis. Por isso, eles conseguiram arrebanhar seguidores entre os coríntios. Conheço crentes hoje que, não obstante creiam no genuíno evangelho, não conseguem perceber que o “evangelho” pregado pelos “superapóstolos” é radicalmente diferente da sã doutrina. Isto porque, no cesto de maçãs podres do pseudoevangelho que carregam, os “superapóstolos” colocam aqui e ali algum fruto bom. Refiro-me a princípios do evangelho da graça que, vez por outra, mencionam. Portanto, abra os olhos, não se deixe levar pela dissimulação dos “superapóstolos” do século 21.

4)      A atividade dos “superapóstolos” mina a autoridade e o ensino de ministros fiéis. Aos poucos, os obreiros fraudulentos esvaziaram a autoridade apostólica de Paulo perante os coríntios. A partir da defesa apresentada pelo apóstolo, podemos inferir que eles levantaram questionamentos do tipo: Como homens desprovidos de qualidades excepcionais, de força e glória sobrenaturais, pode representar o poderoso Deus? “Afinal, ele escreve bem, mas, pessoalmente é fraco, e sua palavra é desprezível” (10.10). Em contraste com essa postura ufanista, Paulo testifica: Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (12.10). Em nossos dias, os “superapóstolos” contam com o avanço dos meios de comunicação para “pular a cerca” e invadir a casa das ovelhas de ministros fiéis. Através do método da saturação eles criam dúvidas nos incautos, levando-os a questionar a autoridade de seus pastores. Precisamos ficar atentos a essa verdadeira “guerrilha televisiva” dos trambiqueiros do “superevangelho”.

5)      Os “superapóstolos” diluem o evangelho para atrair seguidores. Na epístola que examinamos, Paulo compara seus adversários com os maus filósofos itinerantes da época, que disseminavam doutrinas filosóficas com fins utilitaristas e personalistas. Os pseudoapóstolos “mercadejavam” a palavra de Deus – termo que significa “diluir”, “misturar”, como o vendedor ambulante que mistura água ao vinho, ou o feirante que esconde frutas ou legumes podres embaixo das frutas boas, que são colocadas na parte de cima da cesta, para enganar os compradores e aumentar os lucros. Eles falsificavam a palavra de Deus (4.2), ao ponto do evangelho por eles pregado ser diferente do anunciado por Paulo, e se beneficiavam dessa falsificação (11.4). Este “outro” evangelho negava a teologia da cruz. Assim são os atuais “superapóstolos” desse cristianismo de consumo que nos rodeia. Como o vendedor trambiqueiro, eles transformam o evangelho da graça numa sopa rala e vendem à gente crédula e incauta como se fosse alimento sólido. Mais do que isto, ele servem seu fast food cheio de substâncias nocivas à saúde espiritual. Não se deixe enganar. Como sabiamente observou Agostinho, “A sabedoria e a ignorância são como manjares, proveitosos ou nocivos, e as palavras, elegantes ou triviais, como pratos preciosos ou toscos, nos quais se podem servir ambos os manjares”.

6)      Os “superapóstolos” exercem influência escravizadora sobre os fiéis. Eles exercem uma liderança autoritária, praticando o “assédio espiritual”. Paulo repreendeu os coríntios por se deixarem escravizar pelos falsos apóstolos. Sua repreensão atravessa os séculos, sacudindo a igreja evangélica do século 21: Tolerais quem vos escravize, quem vos devore, quem vos detenha, quem se exalte, quem vos esbofeteie no rosto. (11.20). Como os falsos apóstolos em Corinto, os “superapóstolos” de hoje escravizam, tiram vantagens pessoais, usando e abusando da boa fé dos fiéis; eles “capturam” a fé em armadilhas místicas, e se exaltam sobre os fiéis, “esbofeteando” a piedade dos seus liderados.
Como esses orgulhosos exibicionistas, que ostentam a si mesmos são diferentes, em seu perfil, dos ministros do evangelho! É só prestar bem atenção e examiná-los com os óculos da Escritura para ver que, enquanto se apresentam travestidos de ministros de Cristo, os “superapóstolos” na verdade, são pseudoapóstolos, obreiros trambiqueiros, transformando-se exteriormente em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça; e o fim deles será conforme as suas obras (11.13-15).