terça-feira, 28 de junho de 2011

Oração ao deus da Teologia Relacional

Querido deus[1]: Acho que o senhor já sabe o que descobri recentemente: estou com câncer! Mas, não se preocupe, ainda estou relativamente bem, embora eu não saiba como vou ficar nos próximos dias (é uma pena que o senhor também não saiba!). Às vezes penso que ficaria melhor se o senhor não tivesse se autolimitado e aberto mão de sua onisciência e de sua presença soberana no mundo. Assim, mesmo que o senhor não me revelasse o que iria acontecer comigo, traria tranqüilidade ao meu coração saber que está no controle, que os seus olhos “me viram a substância ainda informe”, e que no seu livro “foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”, como está escrito no Salmo 139.6. Aliás, não sei mais o que fazer com este versículo, como devo entendê-lo à luz do que o meu pastor começou a ensinar recentemente, a saber, que o senhor não tem o controle da minha vida e do meu futuro, porque “se retirou” da existência para dar autonomia aos homens. Como poderei agora dizer “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra”? (Sl 73:25).  Além disso, não posso negar que seria um bálsamo neste momento de incertezas saber que esta doença, assim como todas as outras coisas que me acontecem, coopera para o meu bem (Rm 8.28). Mas, se o senhor não sabe o que vai acontecer amanhã, como poderá me garantir que tudo isto me trará algum benefício? Resta-me agora confiar nos médicos e ter alguma esperança de cura. Afinal, eles têm alguma idéia das minhas chances a partir da lei da probabilidade e das conquistas da ciência.

A verdade, meu deus (não quero enganá-lo), é que não está nada fácil. Tenho chorado na sua presença (ou seria ausência?) e sei que o senhor chora comigo, pois o senhor me ama. De fato, eu pensei seriamente em poupá-lo de mais preocupações, afinal, tem tanta catástrofe de proporções espantosas lhe assustando por aí que, por algum tempo, abstive-me de incomodá-lo. Deus, tentei me consolar pensando no final dos tempos e na vinda de Jesus, que destruirá este mundo e fará novos céus e nova terra. Tenho a promessa de que, naquele dia, meu corpo ressuscitará incorruptível e estarei para sempre em sua presença. Contudo, algumas dúvidas passaram a me perturbar, traindo minha esperança e subtraindo meu consolo. Uma delas é a seguinte: Se o senhor não tem o controle dos acontecimentos, como poderá garantir que a esperança da vinda de Cristo se cumpra no tempo oportuno? E como entender as palavras de Jesus quando disse: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai”? (Mt 24:36). Tentando entender estas coisas ocorreu-me que talvez o senhor só tenha se autolimitado em seu conhecimento dos fatos do cotidiano e do tempo presente, não se aplicando tal limitação à era vindoura e à vinda de Cristo. Entretanto, o fim desta era e o início da era vindoura não ocorrerão no crisol da história presente por uma convergência de eventos que precipitarão o “tempo oportuno”? Mas como isto poderá acontecer se estás “epistemicamente ausente”[2] ? Tais dúvidas fazem minha esperança evaporar-se como a neblina. Só meditar tais coisas já era tarefa pesada para mim. Todavia, como se não bastasse, no último domingo meu pastor pregou sobre a vinda de Cristo e disse que tal evento era apenas uma utopia, que servia somente como “força motivadora, uma esperança que me mobiliza para a ação”[3]. Até agora, com o câncer me corroendo o corpo e a morte se avizinhando, pergunto-me: ação para que direção? Para uma atitude estóica que espera de cabeça erguida inflexivelmente o fim? Eu preferia esperar radiantemente a aurora, como meu pastor já ensinou um dia.

Dessa forma, deus querido, fico apenas com o consolo de saber que o senhor está sofrendo junto comigo, refazendo-se da surpresa que também me deixou estupefato. De certa forma, consola-me um pouco pensar que seu sofrimento é maior porque, sendo deus e, por definição, tendo o poder para fazer algo a respeito da minha e de outras mazelas, o senhor abriu mão de tal controle, bem como de sua presença soberana, por amor. Um amor que se distancia e se ausenta para me deixar mais livre... Confesso ser mais difícil para mim entender e aceitar que o senhor se mantém no mundo (e, consequentemente, em minha vida) “sob a forma da ausência, do segredo, da retirada, como a pegada deixada na areia, na maré baixa, por um passeante desaparecido, única a atestar, mas por um vazio, sua existência e seu desaparecimento…”[4]. Sei que o senhor faz isto para me dar autonomia. Mas é duro... Se me permite o irreverente antropomorfismo, posso imaginá-lo arregalando os olhos, mordendo os lábios e apertando as mãos diante de tantas tragédias a surpreendê-lo, sem interferir, para não anular a autonomia humana. Enfim, encerro aqui minha oração, na expectativa de que o meu caso tenha solução, ou, pelo menos, traga-me crescimento espiritual. É isto o que tão somente lhe peço, embora eu não saiba como o senhor poderá operar no meu interior através de acontecimentos sobre os quais não tem controle, pois algum fato inesperado poderá pôr tudo a perder. Afinal de contas, sei que sou barro em suas mãos e que o senhor é um oleiro habilidoso, mas quem me garante que o torno não vai quebrar? Amém!


[1] Esta é uma oração fictícia. As palavras “deus” e “senhor” são escritas com iniciais minúsculas, exceto onde a pontuação não o permite, porque creio que o deus propagado pela teologia relacional, a quem a oração é dirigida, certamente não é o mesmo Deus das Escrituras, que é vivo, soberano, único e verdadeiro. Antes, o deus criado pela teologia relacional não passa de um demiurgo.
[2] GONDIM, Ricardo. Teologia relacional: que bicho é esse? http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1417
[3] Idem. Encontro de Pastores da Igreja Betesda. 2º Dia. Fortaleza-CE 24/03/11. Palestra disponível em http://www.youtube.com/watch?v=ihP-U4q53eY&feature=player_embedded#at=105

[4] Idem. Teologia relacional: que bicho é esse?

Um comentário:

Samuel Vitalino disse...

Brilhante sacada.

Abraço,