Creio na doutrina da eleição porque ela está nas Escrituras.
Creio que uma vez salvo, salvo para sempre. Mas aceito a liberdade das causas
secundárias, fatores de condicionalidade peculiares ao tempo e à história (CF
cap. III). Creio que Deus predestinou os fins, mas também os meios. Ele
escolheu em seu bem Amado Filho antes da fundação do mundo aqueles a quem quis
“segundo o beneplácito da sua vontade”, e não por uma mera previsão de obras ou
de fé (Ef 1.5, 9, 11). Aceito isto de todo o meu coração. Creio, no entanto
que, como “causas secundárias antes estabelecidas” desta salvação estão a
conversão, a fé salvadora, a santificação sem a qual ninguém verá o Senhor, bem
como a perseverança dos verdadeiros crentes na “fé que é dos eleitos” (Tt 1.1).
Depreendo disso que, além de causas secundárias, estas coisas são também
evidências da nossa comum salvação. Não raramente, no entanto, percebo que a
doutrina bíblica da eleição não
somente é mal compreendida, como também mal utilizada e mal aplicada,
principalmente por aqueles que dizem crer nela. Precisamos avaliar três fatores
antes de ensinarmos esta doutrina:
Primeiro, a que público devemos ensinar. Temos na Escritura
o princípio de que “o alimento sólido é para os adultos”, para os maduros na fé,
enquanto as “crianças em Cristo” não podem suportá-lo, sendo necessitadas de
leite (Hb 5.13-14; 1 Co 3.1-2). Embora ambos os textos sejam reprimendas à
imaturidade culpável, o princípio permanece: o alimento sólido é para os
adultos. Ora, a doutrina da eleição é alimento sólido. Estamos tratando da
vontade decretiva de Deus que é, como ensinamos, secreta. E se quanto aos
crentes precisamos ter este cuidado, quanto mais em se tratando de incrédulos?
O segundo fator a
considerar é a relevância no que diz
respeito tanto ao público como ao propósito do ensino. Às vezes ouço colegas
mencionarem a eleição desnecessariamente, em contextos que pedem ênfase à
responsabilidade humana. Para citar um
exemplo, não creio ser conveniente nem relevante ensinar a doutrina da expiação
limitada aos não cristãos da perspectiva da eleição. Até porque é possível
fazê-lo da ótica da responsabilidade humana. Exemplifico: é igualmente
verdadeiro e mais relevante dizer ao não cristão que o sacrifício de Cristo é
suficiente para cobrir os pecados do mundo inteiro, mas é eficiente apenas nos
que crêem (que são os mesmos eleitos). Não é desta perspectiva que essa
doutrina é tratada em João 3.16?
O terceiro fator
é a motivação pela qual uso a
expressão. Há, por exemplo, aqueles que usam os termos “eleição” e “eleitos” a
torto e a direito, só para se afirmar. Pensam eles que para se legitimarem como
reformados ou calvinistas têm que usar tais termos a toda hora. Outros usam a
doutrina de maneira frívola, dizendo-se eleitos sem demonstrar em sua vida e
conduta nenhuma evidência disso. Já vi gente dizendo-se calvinista e convicto e
sua própria eleição enquanto vive uma vida deliberada de pecado. Ora, Aquele
que nos salvou da pena do pecado também nos salva do poder do pecado, razão
porque todos os que vivem deliberadamente em pecado, ainda que sejam bons
calvinistas, apenas professam conhecer a Deus, mas “o negam por suas obras” (Tt
1.16). A estes convém lembrar a lição de casa: a causa primária – o Deus
soberano que nos escolheu e predestinou segundo o seu beneplácito em Cristo –
não anula as causas secundárias, porque as estabeleceu como curso de sua ação
na história e elas são baseadas no seu caráter santo e imutável. Estas funcionam
para nós como marcas, evidências de nossa salvação, frutos do arrependimento
que o Senhor nos concedeu. Dessa forma, não temos autorização para declarar
frivolamente que estamos eleitos sem apresentar os frutos dessa eleição
estabelecidos por Deus desde a eternidade como comprovação de nossa salvação,
os frutos de justiça e santificação (Rm 5.22). Por isso, o Senhor Deus nos
ordena a examinarmo-nos a nós mesmos se realmente estamos na fé (2 Co 13.5), a
confirmar – isto é, constatar pelos frutos – nossa vocação e eleição, pois,
como diz o Espírito na Escritura, “é dessa
maneira que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.11). Por essa mesma razão também é que
podemos dizer que “aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 24.13) e “se
retroceder, nele não se compraz a minha alma” (Hb 10.38). Pois estas são causas
secundárias da eleição, estabelecidas por Deus como parte do curso da vida dos
eleitos. Esta última – a eleição – só pode ser considerada na presença daquelas
– a santificação e a perseverança. Além disso, a doutrina bíblica em questão é
para nos dar não apenas conforto e segurança de salvação, mas também humildade
e senso de propósito, pois aquele que nos escolheu, fê-lo “a fim de sermos
santos e irrepreensíveis”. Diante dessas verdades deveríamos ter bastante
cuidado e reverência ao tratarmos dessa tão preciosa doutrina e santo temor ao
nos denominarmos de “eleitos”. Ou seremos culpados do mesmo pecado do povo de
Deus denunciado por Jeremias: “Que é isso?
Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a
Baal e andais após outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos
pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos
salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações!” (Jr 7.9-10). Preciso
terminar enfatizando mais uma vez que creio na doutrina bíblica da eleição
incondicional. Prego-a e ensino-a sempre que exponho um texto que trate dela. E
faço-o com alegria. Mas procuro igualmente demonstrar aos meus ouvintes a
necessidade de se autoavaliarem se realmente apresentam os frutos que
acompanham os eleitos. Pois “As
coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre,
para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).